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Naw Simah, o Protetor das Artes de Pagan

Updated: Mar 17, 2021

DESTAQUES DE LUXO DO CARNAVAL/ Obra do Estilista Nelcimar Pires


Segundo o estilista, a inspiração para o traje surgiu de um elogio recebido na China há mais de dez anos. Vendo a fantasia de luxo que ele vestia nos bastidores de uma apresentação artística, uma idosa mulher lhe disse que tanto requinte a fez lembrar do Príncipe Naw, figura de uma lenda de seu país, a Birmânia.


Conta o costureiro que durante o encontro a dificuldade idiomática não lhe permitiu se aprofundar naquela história. No ano passado, um amigo que mora no Sudeste Asiático lhe disse em uma viagem ao Brasil que já tinha ouvido falar sobre a antiga história. Meses depois, já de volta na Asia, o amigo viajou para Birmânia e foi de lá que enviou um manuscrito detalhando a lenda segundo a versao de uma costureira que ele conheceu na cidade de Yangoon.


Não me surpreende que Nelcimar tenha empreendido uma de suas muitas viagens imaginárias a um lugar tão distante, a dinastia Pagan no ano de 1044. De lá, ele voltou com um torrente de dados suficientes para capturar o espírito de um traje extraordinário. A lenda de Naw conta a história de uma pessoa da realeza Birmanesa que, por ocasião do casamento de sua filha, construiu o traje mais luxuoso da história do império. Tamanha foi a repercussão que o ilustre Rei Anawrata decidiu nomear aquele homem como “protetor das artes do Pagan”, incluindo o património arquitectónico dos icônicos pagodes da região. Na minha pesquisa encontrei o relato mencionado como "The legend of Naw" em inglês, e entendo que o amigo que enviou o manuscrito adicionou a palavra Simah para que a leitura sugira “Nelcimar”.


Na obra, Nelcimar inclui uma quantidade inusual de pedras. Ao que parece, na sua jornada mental ele certamente visitou as lendárias minas de joias Birmanesas de Mongok, pois versões de safiras, turmalinas e gemas de espinélio adornam a cabeça, uma torre escalonada com vários beirais representando um pagode. Por debaixo dele o modisto veste um capacete cerimonial adornado com pedras que imitam safiras reais de Mongok. A seção frontal simula bordados de ouro e prata que distinguiam a classe social na dinastia. As formas florais remetem aos costumes da classe dominante e estão presentes em bordados dourados em todo o traje, principalmente na extensa capa, rica em detalhes e que lembra os padrões têxteis da tribo Chin.


A estrutura circular que sustenta a plumagem combina na paleta de cores com a exuberante capa. Esses penachos de origem aviário, assim como as botas, fazem parte das liberdades carnavalescas, e dão uma pausa no rigor histórico. A roupa suntuosa e pesada restringe os movimentos, talvez uma metáfora sugestiva das limitações políticas que a Birmânia enfrenta hoje. Porém, é improvável que esta reflexão tenha sido intencional na obra.


O figurino pretende participar no próximo ano numa exposição em Singapura, e em fevereiro será apresentado como fonte de inspiração, fora de competição, no concurso de fantasias online organizado pelo site Carnival N 1. É manifesto que os grandes estilistas da alta costura carnavalesca têm se dedicado a um objetivo comum, que é trazer de volta os grandes concursos de fantasia de luxo que marcaram uma era na cidade maravilhosa, como os do Hotel Glória, Copacabana Palace ou Teatro Municipal.

As emoções daqueles tempos esplendorosos não retornarão pois foram povoados por pioneiros insubstituíveis, além de se darem em outras conjunturas do Brasil, mas a proposta de recriá-los em formato semelhante é meritória. Seria ótimo para o Carnaval promover anualmente uma nova safra de poetas visuais, artistas que bordam metáforas em um traje, que materializam histórias de outros mundos em obras de arte.


Será uma oportunidade para que costureiros estabelecidos no ramo compartilhem segredos da alta costura carnavalesca com uma nova geração de artistas, preservando assim um patrimônio precioso, porém imaterial da maior expressão cultural do país.


Voltando à lenda do Naw Simah, alguns historiadores sugerem que após a festa outros convidados castigaram o criador do traje por causa de vergonha que os fez passar, pois se sentiram nus diante da estonteante exibição de criatividade. A qualidade do trabalho do Nelcimar Pires, me faz pensar que pode ter o mesmo destino.



Barão de Saba

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